O Toque de Midas - Colleen McCullough

O TOQUE DE MIDAS
COLLEEN MCCULLOUGH
Bertrand Brasil

Antes de começar a falar do livro, quero dizer que, apesar da resenha extensa, não contém spoilers e relato apenas fatos antecedentes à página 170.

Este é o segundo romance da autora que leio, cujo original em inglês intitula-se The Touch, com 532 páginas, que também é focado numa saga fascinante de uma família
escocesa residentes em Nova Gales do Sul, na Austrália, onde vivenciam situações repleta de aventuras, paixão, emoção, tragédias e triunfos.

Ele tem o incrível “Toque de Midas”, uma combinação de curiosidade, ousadia e inteligência que ele aplica em todas as situações e é apenas inútil no que se refere a essas duas mulheres.

Alexander Kinross é um escocês indolente, teimoso, rebelde, ateu e de espírito livre que vivia nos cortiços de Glasgow. Como aprendiz de caldeireiro, conseguiu prosperar e tornar-se um magnata do ouro em uma terra desconhecida e inóspita, porque foi rejeitado pelos familiares. Sonhava ser um grande homem e vingar-se de um velho presbítero, obtuso e vingativo que tentou destruí-lo, e provar que um homem pode se elevar acima de seu berço.

Apesar de ser inteligente e poliglota, seu irascível pai jamais permitira que ele estudasse numa universidade, porque queria que ele trabalhasse na tecelagem. Por isso,
aos 15 anos, fugiu de casa, porque sempre sofreu maus-tratos na infância. Sempre fez de tudo para agradar o pai, mas nunca entendeu o motivo do seu rancor, que veio a descobrir mais tarde. Ambicionava seguir literalmente os passos de Alexandre, o Grande, refazendo os caminhos tortuosos que o rei da Macedônia percorreu em suas conquistas.

Um dia, envia uma carta aos parentes pedindo uma esposa confiável, virginal, inexperiente, destreinada, virtuosa e da mesma origem que ele: Elizabeth Drummond.

Estou a caminho de (...) Nova Gales do Sul para me casar com um homem que nunca vi, pensou. Um homem que pediu a mão de minha irmã, não a minha. Estou presa numa teia confeccionada por meu pai. E, se quando eu chegar lá, esse Alexander Kinross não gostar de mim?

Pág. 15

É uma jovem de dezesseis anos, saturada de beatice mesquinha e hipócrita de uma cidadezinha dominada por um ministro fanático. Após a morte da mãe, crescera sob a tirania de um pai presbiteriano, avarento e despótico. Apesar do puritanismo excessivo, ela é doce, boa, resistente, corajosa, determinada e vulnerável, mesmo seu pai tendo envenenado-a por toda a vida, já que equipara o sexo à perversão.

Infelizmente, Alexander a assusta e lhe causa repulsa, porque a menção do casamento lhe aterroriza, porque ele entrou em sua vida com uma desvantagem inextirpável que lhe causa antipatia devido ao seu despotismo sutil. Fica alarmada por ter de passar a vida toda exilada e submissa ao lado de alguém que não pode amar, porque a distância entre os dois era imensa por conta de personalidades opostas.

Sem alternativa, vai residir neste paraíso selvagem, vivendo em total isolamento em uma mansão cercada por empregados chineses e desvendando que nem na intimidade seu marido é capaz de compartilhar seus segredos, entre eles: Ruby Costevan, sua amante, que é passional, fascinante, habilidosa, sincera, forte, sensual, irônica, sarcástica e sócia em seus negócios que estão expandindo cada vez mais.

Será que Alexander sabe que eu o amo? Talvez sim, talvez não. Pode até ser que ele me corresponda. Mas a melhor coisa entre nós é que o casamento não é uma opção. Ele tentaria ser meu dono e eu me recusaria a ser sua propriedade. Tenho pena da esposa que ele tiver um dia, mas a odiarei ainda mais por roubá-lo de mim.

Pág. 133

Um dia, Elizabeth descobre a verdade sobre a origem do marido e fica estarrecida por se sentir um peixe fora d’água, porque foi atraída num mundo rico e notório, já que não era gananciosa ou ambiciosa. Intriga-o por não conseguir conquistar ou encantar com seu sorriso, nem levar à fúria que dava lugar à paixão e ao prazer selvagem, porque era frígida.

Aos 30 anos, Ruby tem um filho de oito anos, Lee, fruto de uma relação com Sung, um príncipe e líder chinês astuto, cuja comunidade vive em uma época de opressão. Lee acaba conquistando o coração de Alexander que, apesar de ser pão duro, ajuda-o na sua educação inglesa e garante seu futuro custeando seus estudos para que se torne um cavalheiro por causa da sua origem mestiça.

Antes disso, Ruby teve uma infância difícil vivendo ao lado do pai, um delinquente inveterado e ladrão de gado condenado, uma mãe alcoólatra e seus irmãos, que tiveram o mesmo destino. Ela acabou fugindo de casa depois que sofreu um estupro, aos 11 anos, do seu irmão, até que conheceu Sung e tornou-se dona de um bordel.

- (...). Não há poder no mundo que me obrigue a casar com quem quer que seja, Alexander Kinross, poder nenhum no mundo! Submeter-me ao cabresto de um homem? Ah! Preferiria morrer!

Pág. 99

Ruby também era romance, sexo, intimidade, emoção ilícita e uma combinação de amante, mãe e irmã. Era espirituosamente vivaz e indecente, com uma sabedoria sensível, um senso de ridículo e um imenso apetite pela vida.

Já a empertigada e séria Elizabeth, que possuía uma aura de inacessibilidade que despertava os homens, nunca teve uma infância por ser influenciada pelo satanismo do pai egoísta e sofre porque teve pouca instrução e uma educação rígida. Por isso, se sente prisioneira, uma escrava do dever e infeliz com seu casamento. Sem a menor intenção, magoou muito Alexander, machucando-o demais com sua aversão, mesmo que este, às vezes, fosse gentil e generoso, mas ele era direto, impulsivo e hábil. Tortura-se por não corresponder aos seus sentimentos e sente-se culpada.

(...), posso comandar a maioria dos idiotas em Sydney que colocaram todas as suas esperanças na política e tentam viver num padrão de vida que não podem sustentar. Sou o acionista majoritário da mina de ouro (...), tenho aplicações em carvão, ferro, terras, sou dono de uma cidade e de uma ferrovia. Porém, não consigo fazer com que uma menina de dezessete anos seja racional, não consigo conquistar sua afeição, quanto mais seu amor.

Pág. 182


Inebriado pelo encanto das duas mulheres, já que Ruby o ama e Elizabeth não, já que era incapaz de resolver este enigma porque ela era imperfeita, fraca e tinha uma disposição triste e passiva, mas que lhe dará herdeiros: a brilhante Nell e a frágil Anna, que lhe causará muitos tormentos colocando tudo o que conquistou em xeque. Frustrado por não ter um filho homem, mal sabe que estará brincando com o destino ao apostar em Lee para gerir seus negócios.

Com o nascimento de Anna, a história dá uma reviravolta chocante que me levou às lágrimas culminando em uma tragédia sem precedentes que deixa a todos atormentados e muda o destino da família, porque o que ocorreu foi uma punição pela arrogância, sucesso e poder que subiu à cabeça de Alexander.

Com o passar do tempo,
Nell tornou-se uma jovem determinada, ativa, agitada, incansável, temerária e intrometida. De espírito livre, era independente, extraordinária, prática, lógica, sensata, isenta de autopiedade e altruísta, qualidade de herdou da mãe. Já do pai, herdou a inteligência, o despotismo e a curiosidade. Gostei muito desta personagem prodigiosa e viciada em chocar as pessoas, porque era uma mulher revolucionária que desafia os preconceitos em uma época dominada pela supremacia masculina, onde as mulheres não tinham direito ao voto e a estudar medicina na universidade.

Lee tornou-se um cavalheiro fascinante. Um homem esbelto, exótico, gracioso, altivo, íntegro, sensato e sereno. Desde pequeno nunca deu valor aos bens materiais, mas Alexander se tornou seu mentor e amigo, por quem tinha uma lealdade e honradez inabalável, além de emanar força, características que os dois tinham em comum.

A única coisa que não consigo eliminar é meu amor por (...), que continua nublando minha vida. Nômade, solitária, livre. (...). Daria tudo o que tenho e tudo o que sou por uma chance de ter (...). Seu corpo, sua mente, seu coração e sua alma.

Pág. 307
Será que alguns de nós temos, realmente, uma alma gêmea e, havendo-a encontrado, somos levados incontrolavelmente pela maré, lutando sem parar para nos juntarmos a ela? Para unir as duas partes e formar o todo?

Pág. 434

Ao longo da leitura, os mistérios vão aumentando e os caminhos se tornando cada vez mais tortuosos, porque Alexander, que era idealista, altruísta e de princípios elevados, vai mudando assim como todos que o rodeiam. O que me chocou e me emocionou foi um assassinato na história, que culminou em grandes mudanças na vida de alguns personagens.

Essa família resistirá a todas as tempestades lançadas pela vida? Será que Elizabeth, que sempre ansiou pela liberdade, se apaixonará pelo marido ou encontrará um homem a quem possa amar? E Alexander conseguira o tão sonhado filho homem e decidirá entre suas duas mulheres? E Lee dará chance ao amor e dirigirá os negócios? E os herdeiros de Alexander darão continuidade ao legado que ele construiu?

O
enredo se passa na segunda metade do século XIX (1872-1900) e foi dividido em três partes. Que eu me recorde, nunca li nada focado nessa época, mas adorei conhecer a cultura e os costumes. Ambientado na Austrália, Escócia, Glasgow, Kinross, Sydney, Londres, Paris, Estados Unidos, Oriente Médio, Inglaterra, Itália e todos os países mundiais, porque Alexander era muito cosmopolita e um revolucionário audacioso.

Não é um romance para se devorar e, sim, para apreciar calmamente, porque você vai acabar se rendendo paulatinamente aos encantos e desventuras dos personagens, onde acompanhamos a sua trajetória, evolução e amadurecimento em relação às suas raízes. Muitos me trouxeram sentimentos dúbios e vários questionamentos por conta das suas atitudes.

A princípio, fiquei chocada com a frieza de Alexander com a esposa, que mal o conhecia, no leito nupcial. Deu-me a impressão de ser um estupro, porque não teve nenhuma preliminar antes de consumar o ato. Achei bem cruel e chocante pelo fato dela ainda ser virgem. Além de ser obrigada pelo pai sovina a se casar à força com ele, que ambicionava sua irmã, ainda usurpou do seu dote, deixando-a morar em uma terra estranha, uma cultura e clima diferentes (lembrei-me de uma situação vivida pela Meggie, protagonista do romance "Pássaros Feridos", da mesma autora, quando se casou) sem conhecer ninguém muito menos o marido libertino, porque o acha repulsivo e que parece com o demônio, porque foi criada na religião de que tudo era pecado.

Apesar de me envolver no enredo, em uma narrativa singela, cristalina e ricamente detalhista, o que me foi impossível de largá-lo, achei algumas partes desnecessárias acerca do processo de mineração, mas foi bem interessante, porque aprendi muito. O livro aborda questões culturais e religiosas históricas e os ideais políticos e revolucionários mundiais do século XIX, principalmente da Austrália, de Nova Gales do Sul, acerca da Febre do Ouro. Sobre o preconceito contra as mulheres e os chineses que eram tranquilos e decentes, mas devido ao trabalho árduo irritavam muitos australianos brancos. Muitos deles por serem pagãos, eram odiados, espancados, roubados, torturados e, algumas vezes, assassinados. A justiça não os protegia e a polícia era sua pior inimiga.

Adorei os personagens ricos e bem construídos, cativantes e profundamente fascinantes, envolventes com suas imperfeições em personalidades distintas.

Recomendo este romance histórico que fala de amor, infidelidade, orgulho, caráter, ambição, ingratidão, luta, amizade, lealdade, preconceito, esperança e amadurecimento.

Não há como você não se apaixonar por essa história, que tocará sua alma a fundo, porque a autora escreve com maestria de sentimentos, que faz com que nos identifiquemos com várias situações gerando um torvelinho de emoções e sentimentos conflitantes.


18 comentários:

  1. Linda resenha, quando crescer quero ser igualzinha a você kkkkk. Como sempre, você consegue atiçar a minha curiosidade.

    Beijos 
    Luciana 

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  2. Oi, Leninha.
    Com certeza é a sua cara. Você vai adorar!
    Beijos.

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  3.  Gosto de livros assim, fortes e dilacerantes!
    Quando comentamos em off eu te disse que esse poderia ser meu número.
    Super anotada a dica.



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  4. Oi, Débora.

    Os livros dessa autora são fantásticos!
    Para quem ainda não conhece, recomendo!

    Beijos.

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  5. Adorei a capa e sua resenha aumentou minha vontade de ler.
    Bjs, Rose.

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  6. Débora Lauton05/09/2012, 13:16

    Nunca li nada do autor, e agora fiquei bem curiosa para ler esse livro...
    Parece mesmo ser um daqueles que a gente não consegue largar... e pelo "pequeno" tamanho da resenha imagino o quanto ele te agradou...rss

    beijos,
    Dé...

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  7. Oi, Luka.

    Sério? Adoro os livros dessa autora, que também escreve policiais, mas só li os romances mesmo. Seus personagens são apaixonantes mesmo imperfeitos.

    Se você curte histórico, então é maravilhoso!

    Quanto ao Alexander... ele me trouxe sentimentos conflitantes do tipo ame ou odeie, mas eu gostei mais do Lee. Quando lê-lo, você vai entender o por que. [risos].

    Beijos.

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  8. Carlinha,  eu não conhecia esse livro e agora fiquei apaixonada. Como pode isso ?
    Adorei esse Alexander ! Meu número rsrsrs

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  9. Oi, Danielle.

    De todos os personagens, eu também gostei muito da audácia e coragem da Ruby. Ela conseguiu me cativar mais do que a própria Elizabeth, que me enervou em alguns momentos. [risos].

    A Nell, também tem esse espírito indômito! Me diverti demais com ela.

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  10. Nanie, nem me fale, viu? Estou nesse dilema também.

    É complicado mesmo, mas estou lendo os que gosto mesmo. ^^

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  11. Carlinha, eu estou doida para ler >< Mas acabo passando os livros de parceria na frente =( está faltando tempo no meu dia >< hhahah

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  12. Está esperando o que para ler AGORA, Nanie! [risos].

    Quando começa, você não para, porque a leitura te prende de uma forma que te conquista! É maravilhoso!

    Você vai amar!

    Beijos.

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  13. Oi, Hérida.

    Fazia tempo que não lia um romance histórico e fiquei encantada por este pela magnitude da história que me chocou em alguns pontos da narrativa, por serem situações bem atuais.

    Desde que li, pensei em você, porque sei que é um gênero que você aprecia muito.

    Nem me fale em pilha. A minha tem aumentado cada vez mais e, como se não bastasse, fico doida com algumas promoções e ainda compra mais... rs.

    Beijos.

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  14. Ah, sim, Carlinha! Eu já estou com Pássaros Feridos aqui e pretendo ler em breve =)

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  15. Oi, Nanie.

    Sem dúvida, concordo plenamente com você. A Colleen é genial!

    Suas histórias sempre nos comovem e nos tocam profundamente.

    Antes de ler este, leia "Pássaros Feridos", porque você vai se encantar mais pela história da família australiana Cleary.

    Este segundo romance dela me chocou em diversas cenas, pelos costumes e culturas da época. Aprendi muito também. Por isso, adoro romances históricos.

    Beijos.

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  16. Oi Carla,
    Tenho um livro da autora na estante, mas ainda não li. Pela sua resenha os livros dela devem ser ótimos. Sou apaixonada por romances históricos. Mas vc sabe como é... minha pilha de livros a ler nunca diminui. Falta tempo p/ ler tudo que quero. rsrs
    Bjs

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  17. Gostei muito da resenha, mas esse livro não entra na lista de desejos... eu não fui com a cara dos mocinhos... tô pendendo mais para o lado da Ruby.... hahaha

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  18. Carlinha, essa autora é incrível *-* 
    Eu gosto muito dela e fiquei muito curiosa quanto a esse novo livro, que eu pretendo ler! 
    Adorei sua resenha =D

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Comentários

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